Um mergulho nas dores, contradições e renascimentos de uma protagonista em crise.
Há séries que passam despercebidas, servindo como entretenimento leve para um fim de semana, e há aquelas que mexem conosco em camadas profundas, deixando rastros mesmo depois do último episódio. I Hate Suzie Too, continuação da aclamada I Hate Suzie, pertence ao segundo grupo. Não é apenas uma história sobre uma atriz tentando manter a carreira depois de um escândalo: é uma dissecação emocional da vida moderna, do impacto da exposição e da luta de uma mulher para sobreviver a si mesma e ao olhar implacável do público.
Nesta crítica, vamos explorar as nuances da trama, os temas abordados, as escolhas artísticas e, principalmente, o que faz de I Hate Suzie Too uma das obras mais ousadas e provocativas da televisão recente.
Uma breve lembrança: de onde partimos
Na primeira temporada, acompanhamos Suzie Pickles (interpretada brilhantemente por Billie Piper) enfrentando o caos depois que fotos íntimas suas foram vazadas. Mais do que o escândalo, vimos como esse evento funcionou como uma lente de aumento para revelar inseguranças, fragilidades e a desconexão entre a vida pública e a privada.
I Hate Suzie foi celebrada por retratar, de forma crua e quase desconfortável, o impacto da cultura digital na intimidade. Era uma série ácida, às vezes dolorosa, mas profundamente honesta.
Quando veio o anúncio de I Hate Suzie Too, a expectativa era alta: como dar continuidade a uma história que já havia dito tanto? A resposta veio em forma de ousadia narrativa e estética.
A segunda fase: Suzie em um reality show
A nova temporada coloca Suzie em um contexto ainda mais sufocante: um programa de talentos televisionado, cheio de câmeras, luzes e julgamentos. Se na primeira temporada ela era vítima de uma invasão involuntária, aqui ela escolhe se expor — ou, pelo menos, acredita ter feito essa escolha.
O reality show funciona como metáfora da sociedade do espetáculo em que vivemos. Suzie está em busca de redenção, de visibilidade positiva, mas, ao mesmo tempo, é jogada em um ambiente que amplifica suas vulnerabilidades. Essa é uma das grandes forças da série: a maneira como conecta entretenimento e sofrimento em uma crítica feroz ao culto da imagem.
Billie Piper: atuação que beira o insuportável de tão real

Não dá para falar de I Hate Suzie Too sem exaltar a performance de Billie Piper. A atriz entrega uma Suzie caótica, engraçada, desesperada e humana em todas as suas contradições. Sua interpretação é tão visceral que, em alguns momentos, chega a ser desconfortável assistir.
Esse desconforto é proposital: a série não quer que a audiência apenas simpatize com Suzie, mas que se veja refletida nela — em suas falhas, em sua necessidade de aprovação, em seus colapsos emocionais. Piper consegue fazer isso de forma magnética, transformando cada cena em um estudo sobre vulnerabilidade.
Estética ousada: ritmo frenético e linguagem fragmentada
Enquanto a primeira temporada tinha um formato mais psicológico, I Hate Suzie Too adota uma linguagem mais frenética, quase caótica. A montagem é rápida, os cortes bruscos e a trilha sonora exagerada criam uma sensação de ansiedade constante.
Essa escolha estética não é gratuita: ela coloca o espectador dentro da mente confusa e instável de Suzie. O público não apenas assiste ao seu colapso, mas o sente. É uma experiência audiovisual intensa, que exige atenção e disposição para encarar o desconforto.
A maternidade em foco: amor e falhas expostas
Um dos pontos mais emocionantes da série é a relação de Suzie com seu filho. Se na primeira temporada essa maternidade já aparecia marcada por culpas e dúvidas, aqui ela se torna ainda mais central.
Suzie é uma mãe amorosa, mas também falha — e a série não tem medo de mostrar isso. O conflito entre querer estar presente e, ao mesmo tempo, buscar reconstruir sua carreira é retratado de forma sincera, sem romantizações. Essa escolha humaniza a personagem e dialoga com milhares de mulheres que vivem dilemas semelhantes, ainda que longe das câmeras.
Fama, vulnerabilidade e o preço da exposição
Outro tema forte da temporada é a relação entre fama e vulnerabilidade. Suzie tenta usar o reality show como forma de se reerguer, mas acaba ficando ainda mais exposta a críticas, julgamentos e à manipulação midiática.
É uma crítica mordaz à cultura contemporânea, em que a linha entre autenticidade e espetáculo é cada vez mais difusa. A série mostra como a busca por relevância pode se tornar uma prisão emocional, onde cada gesto é interpretado, recortado e viralizado.
Humor ácido: rir para não chorar
Apesar do peso dos temas, I Hate Suzie Too não é apenas drama. O humor ácido e irônico permeia a narrativa, criando momentos de respiro. Muitas vezes, rimos do absurdo da situação — e logo em seguida sentimos um aperto no peito.
Essa alternância entre comédia e tragédia é uma das marcas registradas da série. Ela reflete a vida real, onde momentos de leveza coexistem com crises existenciais.
O impacto no espectador: identificação desconfortável
Assistir a I Hate Suzie Too é, em muitos momentos, um exercício de autoanálise. O espectador se vê questionando: até que ponto buscamos aprovação? Quanto da nossa felicidade depende do olhar externo? Qual é o preço da autenticidade em um mundo que exige performance constante?
Esse efeito reflexivo é talvez o maior triunfo da série. Não se trata apenas de acompanhar a jornada de Suzie, mas de reconhecer em sua trajetória partes de nós mesmos.
Comparação com a primeira temporada: continuidade ou ruptura?
Há quem veja I Hate Suzie Too como uma ruptura, pela mudança estética e pelo foco no reality show. Outros interpretam como uma continuidade natural, mostrando o próximo passo da protagonista em sua espiral de autodescoberta.
De fato, a série assume riscos ao abandonar a estrutura mais linear da primeira temporada. Mas é justamente essa coragem de não se repetir que a torna tão interessante. Em vez de reciclar fórmulas, ela se reinventa.
Críticas e possíveis divisões
Como toda obra ousada, I Hate Suzie Too não é unanimidade. Alguns espectadores podem achar a narrativa excessivamente caótica, difícil de acompanhar ou até mesmo desgastante.
No entanto, é importante entender que esse desconforto é parte do projeto artístico. A série não busca agradar a todos, mas provocar reflexões. Nesse sentido, até as críticas reforçam sua relevância cultural.
Por que vale a pena assistir?
I Hate Suzie Too não é entretenimento leve — e talvez essa seja sua maior qualidade. É uma série que desafia, que expõe feridas e que nos convida a olhar para além das máscaras que usamos no dia a dia.
Vale a pena assistir porque nos lembra que a vulnerabilidade pode ser tão poderosa quanto a força, e que as histórias mais marcantes são aquelas que não têm medo de incomodar.
Reflexão final: Suzie somos todos nós
No fim das contas, I Hate Suzie Too é mais do que a história de uma atriz em crise. É um retrato cru da nossa era, em que cada pessoa, de alguma forma, vive entre o desejo de ser vista e o medo da exposição.
Suzie é imperfeita, contraditória e, por isso mesmo, profundamente humana. Talvez seja impossível amá-la por completo, mas é igualmente impossível não se reconhecer em suas dores e contradições.
É por isso que a série continua reverberando: porque, no fundo, todos nós já fomos um pouco Suzie.
