Você trabalha duro… mas será que está sendo justamente pago por isso?
Talvez essa pergunta já tenha rondado seus pensamentos em um dia comum de trabalho. Talvez ela tenha aparecido depois de ver o salário de alguém que faz “menos” do que você — ou que trabalha em um setor completamente diferente. E se a comparação não veio com outra pessoa, pode ter vindo com o próprio boleto vencido na mesa.
No fim das contas, a pergunta é simples: quem decide quanto vale o que você faz?
Spoiler: a resposta não é tão simples assim.
Mas ela diz muito sobre como o mundo funciona — e sobre o quanto ainda temos a refletir sobre valor, reconhecimento e justiça.
Quando esforço não é suficiente para definir valor
Desde pequenos, ouvimos que esforço é tudo: estude bastante, trabalhe duro, dê o seu melhor — e o sucesso virá. Mas o que acontece quando esse esforço não é proporcional à recompensa?
Pessoas que trabalham em serviços essenciais, como limpeza urbana, educação básica ou atendimento em saúde pública, muitas vezes recebem salários baixos, enquanto celebridades, influenciadores e executivos podem ganhar fortunas em uma única campanha, contrato ou negociação.
Não se trata de comparar trajetórias — mas de questionar critérios.
Afinal, o valor do trabalho deveria estar ligado ao impacto social ou ao lucro que ele gera? À carga horária ou ao status que representa? À escassez de profissionais ou ao privilégio de poucos acessarem determinadas carreiras?
Oferta, demanda e o jogo invisível dos salários
Por trás daquilo que ganhamos, há um jogo de forças nem sempre visível. O mercado dita muita coisa, e dois dos seus maiores protagonistas são:
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Oferta: Quantas pessoas estão dispostas (e qualificadas) a fazer o que você faz?
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Demanda: Quantas empresas, marcas ou clientes precisam desse serviço?
Quando há muita oferta e pouca demanda, o valor pago tende a cair. Quando acontece o contrário, o preço sobe — mesmo que isso não tenha nada a ver com o esforço envolvido. É assim que vemos, por exemplo, desenvolvedores de software sendo muito mais valorizados financeiramente do que professores de ensino infantil.
Ambos são essenciais. Mas um é escasso no mercado; o outro, infelizmente, não é tratado como prioridade.
Essa lógica pode parecer fria — e de fato é. Ela reduz pessoas a números, talentos a estatísticas e propósitos a planilhas.
“Mas se fosse fácil, todo mundo faria”: o mito da meritocracia
É comum ouvir que quem ganha mais o faz porque se esforçou mais, estudou mais, merece mais. E sim, há muito mérito em quem se dedicou por anos. Mas essa visão desconsidera as desigualdades de largada que existem.
Enquanto alguns têm acesso a boas escolas, alimentação adequada, tempo para estudar e suporte emocional, outros enfrentam dificuldades desde a infância — muitas vezes, trabalhando desde cedo para ajudar em casa.
Além disso, certas profissões são socialmente estimuladas em determinados círculos — enquanto outras, por mais importantes, são quase invisíveis. O resultado? Um mundo em que o talento nem sempre encontra espaço para florescer.
A meritocracia, quando descolada da realidade social, vira um argumento confortável para justificar privilégios — e não uma régua justa de valor.
O valor simbólico: o que sua profissão representa para os outros?
Há também a questão simbólica. Algumas profissões carregam status, prestígio ou mesmo glamour. Outras são vistas como “básicas”, “subalternas” ou “comuns” — ainda que sejam indispensáveis.
Esse valor simbólico influencia, sim, quanto as pessoas acham que aquele trabalho deve ganhar.
Já reparou como é mais fácil uma empresa pagar caro por um serviço de consultoria do que por um serviço de limpeza? Ou como um design “minimalista” pode valer mais do que uma jornada inteira de 12h num hospital?
A sociedade atribui valor com base na imagem — e não necessariamente na contribuição real.
Profissões femininas e racializadas: quando o valor é atravessado por preconceitos
Vale lembrar que nem todas as profissões foram historicamente vistas com os mesmos olhos.
Diversas ocupações ocupadas majoritariamente por mulheres ou pessoas negras foram (e ainda são) desvalorizadas, seja financeiramente ou socialmente.
Cargos como enfermagem, assistência social, trabalho doméstico e pedagogia são essenciais — mas enfrentam uma longa trajetória de invisibilização. Isso não é coincidência: é estrutura.
Ou seja, o valor do seu trabalho não depende só de você. Ele é atravessado por gênero, cor, classe, território e até pelo sotaque que você carrega.
Trabalhar por propósito é bonito. Mas paga as contas?
Muita gente encontra sentido no que faz, mesmo ganhando pouco. Há paixão, entrega, orgulho.
Mas viver só de propósito pode ser romântico — e insustentável. Especialmente num mundo em que tudo tem preço, inclusive tempo, saúde mental e qualidade de vida.
É possível (e justo) querer fazer o que se ama e ainda ser bem pago por isso.
E o contrário também vale: é possível não amar o que faz, mas ainda assim merecer respeito e reconhecimento por contribuir com a sociedade.
Valorizar o trabalho alheio também é uma forma de reconhecer a própria humanidade.
E se você pudesse dizer o quanto vale o que faz?
Imagine por um instante que você pudesse definir o preço do seu tempo. Quanto valeria uma hora sua? E se tivesse que colocar um número no que você entrega todos os dias — esforço, criatividade, paciência, responsabilidade?
Será que alguém toparia pagar?
Esse exercício ajuda a perceber o quanto naturalizamos valores impostos por outros — empresas, tabelas, convenções sociais — sem questionar se eles fazem sentido para a nossa realidade.
Talvez seja hora de negociar mais, se posicionar mais e aceitar menos o “isso é o que pagam por aí”.
A mudança começa quando a conversa se torna coletiva
Enquanto a discussão sobre valorização profissional ficar restrita a sussurros entre colegas ou pensamentos guardados, pouca coisa muda. Mas quando ela vira pauta — em casa, nas redes sociais, nas conversas com amigos —, ela ganha força.
Falar sobre salários ainda é tabu. Mas é também ferramenta de justiça.
Abrir espaço para conversar sobre o que está por trás da remuneração (ou da falta dela) é uma forma de romper ciclos de desigualdade.
Não se trata só de dinheiro. Se trata de dignidade.
Porque no fim das contas…
O que você faz tem valor.
O quanto te pagam por isso nem sempre reflete esse valor.
E essa diferença machuca, adoece, limita sonhos.
Mas também pode ser o ponto de partida para mudanças — pessoais e coletivas.
Se você chegou até aqui, é porque essa pergunta também pulsa em você:
Quem decide quanto vale o que você faz?
Talvez a resposta ainda esteja em construção.
Mas ela começa quando a gente para de aceitar o silêncio como resposta.